Homenagem a António Gomes da Costa

Nota: Os dois textos abaixo, foram editados pelo Embaixador Francisco Seixas da Costa  no seu blogue https://duas-ou-tres.blogspot.com/search?q=Ant%C3%B3nio+Gomes+da+Costa+&m=1,

em Homenagem a António Gomes da Costa (16 e 17 de Maio de 2016), figura incontornável da comunidade portuguesa no Rio de Janeiro e líder incontestado da mesma no cerne de instituições tão relevantes como o Real Gabinete Português de Leitura, do qual foi Presidente e da antiga Federação das Associações Portuguesas e Luso-Brasileiras no Rio de Janeiro. 

Agradecemos ao Senhor Embaixador Francisco Seixas da Costa a autorização que nos deu para aqui reproduzirmos aqueles dois textos de homenagem, constituindo ambos parte de um património de memórias no tempo e no contexto respectivos, dignamente assinalados, para registo, na rubrica da página da ALC,  designada “Relógio do Tempo”.

Grato
 
Francisco Duarte Azevedo
Conselheiro de Embaixada
Diretor Institucional da Associação Luís de Camões

Francisco Seixas da Costa

Embaixador

António Gomes da Costa

Acabo de saber que, por motivos pessoais, António Gomes da Costa deixou a presidência das várias instituições luso-brasileiras a que, por várias décadas, dedicou a sua vida e o seu empenhamento pessoal. Na história da comunidade luso-brasileira, poucas pessoas podem ombrear com António Gomes de Costa na sua devoção à tarefa de proteger, no Brasil, 

e com persistência, o bom nome dos portugueses, a dignidade da história lusa, a promoção da amizade entre os dois povos. Fê-lo através da sua intervenção cívica, da sua palavra na imprensa, da sua ação de acompanhamento, de direção e coordenação dessa notável rede de instituições, que em tempos foram geradas pelos portugueses no Brasil, fantásticos exemplos de realizações de que todos temos obrigação de nos orgulhar. Uma obra que é pena que não seja mais conhecida do que é, tanto por portugueses como por brasileiros.

Quando cheguei ao Brasil, em 2005, para assumir as funções de novo embaixador português, Gomes da Costa sabia que tinha à sua frente alguém de quem estava bastante distante no plano das ideias políticas. Por razões que não vêm aqui para o caso, e que o curso histórico ajuda a explicar, há setores da nossa comunidade no Brasil nos quais permanece uma afetividade ao tempo que precedeu a rutura política ocorrida em 1974. A circunstância dessa comunidade ter passado a integrar, após o 25 de abril, figuras do mundo político e económico que então buscaram refúgio no Brasil, face aos ventos revolucionários que, à época, sopravam em Lisboa, criou por ali um caldo de cultura conservadora que, como é natural, muito marcou a matriz política de algumas – ainda que não de todas – as instituições luso-brasileiras. Acresce, nesse contexto, que muitos portugueses que viviam até então na África tutelada pelo regime português, e que, em desespero, foram viver para o Brasil, reforçaram com naturalidade esse sentimento. Isso é simbolizado, até hoje, em alguma iconografia de figuras do Estado Novo que sobrevive nos salões de muitas dessas instituições, memória de um passado que alguns entendem dever continuar a reverenciar. Como é do seu pleno direito.

Um embaixador de Portugal é o embaixador de todos os portugueses que vivem no país onde está acreditado. Representa o chefe do Estado, a República e a democracia, mas tem de entender que pode haver, na comunidade desse país, quem tenha ideias que contrariam os valores que lhe cabe afirmar e promover. Isso não o deve impedir de tratar esses portugueses como quaisquer outros, porque a tal o obrigam as regras do Estado democrático que lhe cumpre defender e aplicar. Essa é, a meu ver, a superioridade moral das democracias.

É aqui que devo uma palavra de reconhecimento e muito respeito a António Gomes da Costa. Sabendo quem eu era, conhecendo as minhas ideias e as nossas diferenças, Gomes da Costa soube, com grande inteligência, desenhar um terreno de integração do novo embaixador em setores da comunidade onde figuravam muitas das idiossincrasias que referi, num entendimento subliminar onde prevaleceu sempre o muito que nos unia – o interesse de elevar o nome de Portugal e da dignidade da comunidade luso-brasileira. Recordo, como uma memória muito positiva, os muitos momentos gratificantes que passei nessa segunda “embaixada” portuguesa que é o Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, em eventos de diversa natureza, ao lado de António Gomes da Costa, que aí foi por muitos anos a figura referencial. E quero dar público testemunho de que, em todas as ocasiões em que procurei o seu apoio para iniciativas em que o seu auxílio podia ser necessário, obtive sempre a sua imediata atenção desinteressada – ou melhor, sempre interessada em contribuir para tudo o que pudesse ser útil à promoção dos valores portugueses no Brasil. Devo-lhe um sem número de atenções e, no momento em que abandona a sua generosa entrega às causas da comunidade, quero afirmar-lhe a minha sincera gratidão e admiração, na qualidade de antigo embaixador de Portugal.

Termino com uma nota um pouco mais pessoal. Um dia, eu e António Gomes da Costa demo-nos conta de que, em tempos comuns mas com um oceano de permeio, ambos havíamos trabalhado para essa grande instituição estatal que é a Caixa Geral de Depósitos. É assim ao meu amigo, mas também ao ex-colega, António Gomes da Costa que aqui deixo um forte abraço.

Agora Marcelo Caetano

Como aqui assinalei, morreu, há dias, no Rio de Janeiro, António Gomes da Costa, um dos mais destacados líderes da Comunidade portuguesa no Brasil. 

Foi uma figura cuja ação sempre admirei, pela sua empenhada dedicação à promoção de Portugal no Brasil e ao aprofundamento das relações luso-brasileiras. Era um homem profundamente conservador, apreciador confesso das virtualidades do regime derrubado em 1974, crítico regular no novo regime então surgido.

Isso nunca o impediu de manter um relacionamento impecável com os representantes do Estado, em democracia, como foi o meu caso, entre 2005 e 2009.

Num depoimento que hoje enviei para o JL – Jornal de Letras, contei um episódio passado no primeiro encontro que tive com António Gomes da Costa, em inícios de 2005.

Perguntei-lhe então sobre o estado de conservação da sepultura do professor Marcelo Caetano. Respondeu-me que tinha indicações de que o espaço estava bem cuidado, por pessoas da nossa comunidade. Notei, contudo, a sua surpresa, pelo facto de eu ter abordado o assunto. Expliquei-lhe – e fazia-o com total sinceridade – que era minha preocupação, como embaixador, garantir, durante o tempo que durasse a minha missão no Brasil, que o local onde estavam os restos mortais daquele antigo chefe do governo estivesse preservado com a dignidade necessária, assegurando que a embaixada tinha toda a disponibilidade para auxiliar em tudo quanto, nesse domínio, viesse a ser necessário fazer.

António Gomes da Costa terá percebido nesse instante que a minha atitude relevava de uma leitura de Estado, muito para além das trincheiras políticas muito diversas que ocupávamos. E julgo que isso contribuiu para que, a partir daí, nos tivéssemos relacionado sempre sem o menor problema. Continuando nós, bem entendido, cada um “na sua”, em matéria política.

É que uma coisa que todo o diplomata deve ter sempre bem presente, quando está em serviço no estrangeiro, é que, estando embora sob as ordens conjunturais do governo de turno, ele representa o Estado e é depositário de toda a História que o país carrega consigo. Toda, mesmo.

Francisco Seixas Da Costa

Embaixador

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