O ASSOCIATIVISMO
Com origem e tradições que remontam ao século XIX, o associativismo desenvolveu-se sob diversas e variadas formas expressivas, tendo, bem cedo, alcançado uma maturidade material e espiritual exemplares, impulsionando ainda nesse século a criação de instituições espalhadas um pouco por toda a mancha ocidental, nomeadamente no Brasil especificamente no Rio de Janeiro, com a criação do Real Gabinete Português de Leitura em 1837, a Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência do Rio de Janeiro em 1840 (hoje Glória D’OR), a Real e Benemérita Sociedade Portuguesa Caixa de Socorros D. Pedro V em 1863 e o Liceu Literário Português em 1868.
Já no século XX, o associativismo ganhou um novo módulo com o aparecimento das chamadas “casas regionais”, que eram, antes de tudo, manifestações de amor dos emigrantes à sua terra natal. Nelas reúnem-se, até hoje, as famílias originárias da mesma província, ou de uma mesma cidade, para dançar e cantar o vira e a chula, para ouvir as concertinas e as tocatas, para evocar as aldeias de berço e as festas de verão, a gastronomia da província e os trajes típicos, os cultos religiosos e as tradições populares.
Em poucos anos, no Rio de Janeiro, essas “casas regionais” multiplicaram-se: foi a Casa do Minho e a Casa de Trás-os-Montes; a dos Açores e a da Madeira; a dos Poveiros e a das Beiras; a da Vila da Feira e a de Arouca; a de Espinho e a dos Camponeses de Portugal; a do Porto e a de Viseu; a do Clube Recreativo Português de Jacarepaguá e a do Orfeão Português.
Nas últimas décadas ocorreram profundas mudanças no movimento associativo. Primeiro, porque o desvio e posteriormente o quase desaparecimento das correntes da emigração para o Brasil, fizeram com que se reduzisse drasticamente a entrada de portugueses no país. Enquanto isso, os “estoques” provenientes de períodos anteriores, pelas leis naturais da vida, foram diminuindo. Se no crepúsculo do século XIX, em algumas cidades, a percentagem de portugueses ultrapassava os 10% da população e se pelos cálculos de 1940 o seu número era de 800.000 em todo o País, a situação atual é muito diferente: para uma população de mais de 220 milhões já não chega a 150.000 o número de portugueses de origem que vivem no Brasil. E a grande maioria desses portugueses atingiu uma faixa etária superior aos 70 anos.
Por outro lado, as estruturas da sociedade moderna são muito diferentes e algumas áreas que eram atendidas pelos cidadãos sob a forma associativa, passaram a ser cobertas primordialmente pela ação do Estado. É o caso, por exemplo, da saúde, da educação e da previdência. E noutros setores que ficaram a cargo da sociedade civil prevalecem os moldes profissionais.
O resultado é que muitas das associações que existiam e tinham um desempenho robusto, perderam força, ou quando não, entraram numa fase de enfraquecimento e decadência sem possibilidades de reversão. Foi o caso das associações de socorros mútuos, dos hospitais – das Beneficências, das Misericórdias, das Ordens religiosas, etc. – que não mudaram a tempo, o viés generoso da filantropia e com os custos elevados da medicina tornaram–se, muitas delas, inviáveis.
Estes são alguns exemplos singulares, mas, no seu conjunto, o associativismo de origem portuguesa atravessa desafios que não são fáceis de vencer. Decerto, que em alguns setores fez-se a passagem do testemunho para os luso-descendentes sem maiores traumas e desvios.
Outras entidades, como as voltadas para a educação, também foram adaptando a sua estrutura e os seus programas aos novos tempos. Já não atuam na alfabetização de adultos ou na oferta de cursos profissionais, mas, como aconteceu com o Liceu Literário Português, evoluíram para plataformas de ensino de nível superior e de pós-graduação, visando o aperfeiçoamento da Língua Portuguesa.
No livro “Os Lusíadas na aventura do Rio Moderno” organizado pelo Prof. Carlos Lessa e que é composto por diversos trabalhos apresentados num seminário realizado no Real Gabinete Português de Leitura, são abordadas as contribuições dos portugueses nos diversos setores da vida nacional: na economia, com seu empreendedorismo no comércio e nas indústrias; no mundo do trabalho e nos movimentos sociais; no traçado urbano e na arquitetura das casas; na organização sindical; na música e na gastronomia, nas confrarias e nas irmandades, etc. Todas essas contribuições, entretanto, foram-se diluindo com o passar do tempo, face às novas estruturas políticas e sociais ao
desenvolvimento do País e às mudanças nas instituições. Ou, pelo menos, se não desapareceram totalmente, não ficaram tão ostensivas como eram até meados do século passado. As grandes casas comerciais seguiram o ciclo vital dos fundadores e fecharam; modificaram-se os traços da arquitetura e os gabaritos dos prédios; encerraram-se as fábricas; transformaram-se as fazendas e as usinas; na estrutura da Igreja, perderam força algumas ações laicas.
Podemos mesmo afirmar que uma das imagens de Portugal que perdura no Brasil de hoje ainda é projetada por essas células associativas. Nelas, os brasileiros revêem o “Portugal, meu avozinho”, de David Nasser, com a ternura, a música, a dança, os cantares e a gastronomia das “casas regionais”; o “Portugal da Epopéia quinhentista; na fachada em pedra de liós dos “gabinetes de leitura”; o Portugal da solidariedade, nas enfermarias dos hospitais e na filantropia das caixas de socorros.
Um traço singular em todo o universo associativo também não pode deixar de ser assinalado. É que, salvo um caso ou outro, desde a sua gênese, os brasileiros estiveram presentes e foram condôminos do desenvolvimento, dessas instituições, partilharam de seus objetivos; entregaram-se com a mesma paixão de fazer e de servir. E essa participação, que diríamos providencial, acabou por facilitar a passagem do testemunho e garantir a perenidade das associações.
Sem a presença dos brasileiros, não teríamos hoje mestres no Liceu para ensinar a Filologia e a Sintaxe, a História ou a Antropologia, nem alunos para aprender; sem os brasileiros, não teríamos no Real Gabinete quem se interessasse pelos códices seiscentistas ou pelas pesquisas do Centro de Estudos, pelas consultas na biblioteca ou pelos concertos musicais no Salão dos Brasões; sem os brasileiros, não teríamos jovens nas casas regionais para dançar o vira ou nos clubes desportivos para brilhar nas quadras e nos estádios; sem os brasileiros não teríamos nas “caixas de socorros” tantas preces de agradecimento pela sua atuação e por seus gestos samaritanos em prol da pobreza, da velhice sem amparo e dos desgraçados sem esperança.
É essa presença de brasileiros nos diversos quadrantes associativos que nos dá a garantia de que todos os patrimônios e legados da emigração não irão desaparecer. Pode não haver mais portugueses a chegar para cumprir aqui o seu projeto de vida; mas haverá sempre brasileiros a abrir as portas dos Gabinetes de Leitura, dos Liceus e das Caixas de Socorros.
No entanto para dar resposta aos desafios que hoje todos enfrentamos de forma global, é importante buscar soluções duradoras e do interesse geral tendo em conta os novos enquadramentos causados pelo impacto inevitável e irreversível das tecnologias bem como a necessidade de estreitar a cooperação institucional, tornando-nos mais interativos e interdependentes uns dos outros.
Assim e, em boa hora, foi criada a Associação Luis de Camões (ALC) com base numa parceria de quatro instituições, o Real Gabinete Português de Leitura, o Liceu Literário Português e a Real e Benemérita Sociedade Portuguesa Caixa se Socorros D. Pedro V mais o Instituto Camões, tendo decidido juntos conjugarem sinergias para zelar pela proteção, preservação e valorização do património material e imaterial que compõe o acervo cultural, social, educacional e histórico de origem portuguesa no Rio de Janeiro.
A dinâmica contida nos princípios gerais da nóvel instituição pretende ser uma resposta concreta, plausível aos desafios impostos a todos nós num mundo global em acelerada mudança.
FRANCISCO GOMES DA COSTA
PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO LUÍS DE CAMÕES
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